Brasil é alvo de tarifa e sanção nos EUA: o que está por trás dos novos movimentos de Trump
Em entrevista, economista analisa impactos econômicos e desgaste institucional com os americanos

Em mais um capítulo da crescente tensão nas relações comerciais e diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos, o presidente norte-americano Donald Trump anunciou nesta quarta-feira, 30, a aplicação do pacote tarifário, apelidado de “tarifaço”, que prevê aumento de 50% nas tarifas de diversos produtos brasileiros. No entanto, cerca de 700 itens acabaram sendo excluídos da medida, o que trouxe algum alívio ao governo federal. Por outro lado, Trump surpreendeu ao incluir o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na lista da Lei Magnitsky — uma legislação que prevê sanções a indivíduos acusados de corrupção e violação de direitos humanos.
Para analisar o impacto econômico e político desses desdobramentos, o Jornal da Guarujá conversou com o economista, cientista político e professor Enio Coan, que classificou o momento como delicado e alertou para a necessidade de maior protagonismo do Brasil nas negociações internacionais.
Apesar da exclusão desses itens, Coan é enfático ao afirmar que o governo brasileiro não deve comemorar. “Não, não tem que comemorar nada por enquanto, não. Aliás, ele também prorrogou o prazo de entrada em vigor, assinou o decreto, mas deu mais uma semana, digamos assim, para tentativa de negociações.”
O economista criticou a postura passiva do governo brasileiro diante da medida. “O que é de a gente estranhar bastante é que o governo brasileiro não tomou iniciativa nenhuma para sentar, negociar e tal. Então ficou esperando, ficou na expectativa. E agora tem que correr.”
Produtos isentos e prazos de transição
Apesar do aumento tarifário, uma série de itens ficou isenta das tarifas adicionais. Além de produtos específicos, outra exceção se aplica a mercadorias que já estavam em trânsito antes da entrada em vigor da ordem. Para isso, os produtos precisam chegar aos Estados Unidos até 5 de outubro, garantindo que não sejam impactados.
Confira os principais itens isentos pelo decreto:
- Castanha-do-brasil
- Suco e polpa de laranja
- Fertilizantes
- Artigos de aeronaves civis não militares
- Produtos de ferro, aço, alumínio e cobre
- Madeira
- Celulose
- Metais e minerais como silício, ferro-gusa, alumina e estanho
- Diversos tipos de carvão, gás natural, petróleo e derivados
“Quem vai pagar mais caro é o consumidor americano”
Coan esclareceu que o impacto imediato não recai sobre os brasileiros. “O impacto que existe para a economia, vamos falar em Santa Catarina ou também para o Brasil todo, não é em cima do consumidor brasileiro. Muita gente tem me perguntado: vai ficar mais caro isso, vai ficar mais caro aquilo? Sim, se o Brasil retalhar, sim.”
Ele explica que a tarifa atinge empresas dos EUA que compram do Brasil. “Mas quem vai pagar mais caro pela taxa imposta pelo Trump é o consumidor americano. São os produtos que nós mandamos para lá.”
Santa Catarina na linha de frente das exportações
O professor destacou que Santa Catarina deve sentir mais diretamente os efeitos da medida. “Santa Catarina é um estado bastante dependente de exportações, porque é o estado mais dinâmico do Brasil e tem uma diversificação industrial bastante grande.”
Ele cita setores que devem ser atingidos. “O estado trabalha em muitos setores, e muitos são setores preparados para a exportação, como é o caso da madeira. Móveis e madeira de todos os tipos, beneficiadas, painéis, madeiras cerradas, apesar de isenção de alguns itens de madeira, ainda tem um impacto forte.”
“Faltou iniciativa do Brasil”
Coan também criticou a condução diplomática do governo brasileiro. “Os americanos estiveram muito abertos, como estiveram com todos os países. Se eles sentaram com a grande maioria dos países do mundo e não sentaram com o Brasil, é porque houve falta de interesse, falta de iniciativa do Brasil.”
Segundo ele, a equipe brasileira foi montada tarde e sem planejamento. “Só montaram uma equipe de negociação agora, nos últimos dias, e foram aos Estados Unidos sem agenda. Quer dizer, vão bater na porta para pedir licença. E aí é muito complicado isso das relações internacionais.”
Câmbio alto pode aliviar impactos
Apesar do cenário desafiador, Coan vê na taxa de câmbio um fator que pode ajudar os exportadores brasileiros. “Nós temos uma folga, eu creio, muito grande e que não tem sido comentada, que é o câmbio. A nossa taxa cambial está exageradamente alta.”
Ele explica que isso pode gerar compensações. “Os exportadores brasileiros podem compensar uma parte da taxa imposta ao produto com queda do preço em dólar para exportar. Então essa folga pode ajudar na hora de sentar e negociar.”
Coan também comentou o embate político que tem marcado as relações entre os dois países. “Os Estados Unidos exercem liderança mundial, tanto na questão econômica quanto nas questões políticas. A geopolítica global, digamos assim, ou a política mundial, passa pelos Estados Unidos. Eles ditam regras.”
Na visão do professor, não cabe ao Brasil tentar impor condições. “Não há como o Brasil tentar impor alguma coisa aos Estados Unidos. Tem que negociar.”
Lei Magnitsky
A inclusão do ministro Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky foi interpretada por Coan como um sinal claro do incômodo americano com os rumos da Justiça brasileira. “É exatamente essa questão de exagero que nós estamos presenciando aqui no Brasil e que está repercutindo na arena internacional.”
Segundo ele, os EUA não tomaram essa decisão de forma repentina. “Os Estados Unidos estavam observando o Brasil de longe há bastante tempo, já inclusive desde antes do governo Lula, com os outros que passaram, as outras gestões, digamos assim, do governo que se diz de esquerda no Brasil.”
Ele citou ainda episódios que contribuíram para o desgaste da imagem brasileira no exterior. “Já desde o caso Petrobras, que fez com que muitos americanos perdessem dinheiro com investimentos brasileiros feitos de forma errada. Ficou uma mancha muito grande na questão da relação econômica internacional no Brasil.”
Coan vê a atuação do STF como excessiva e aponta uma crise de legitimidade institucional. “Eles estão vendo que há um exagero judiciário brasileiro. Há um exagero da nossa justiça maior, digamos, daqueles que deveriam ser os guardiões da Constituição, estão sendo delegacia de polícia.”
E acrescenta: “O ex-presidente Jair Bolsonaro, na minha opinião, está apenas sendo uma das figuras usadas como exemplo. Fala-se em democracia no Brasil, mas me parece que democracia tem lado.”
Coan encerra com um alerta para o governo brasileiro: “Tudo precisa ir para a matemática, não é só na conversa política. O Brasil precisa sentar, tem que negociar, tem que trabalhar. O momento exige mais profissionalismo e menos ameaça.”
Confira entrevista completa